Olivença, "entre Espanha e Portugal"? (III): o jogo com o JN e a Lusa
Olivença: Orgulho pelo passado mas "Viva España"
<input ... >01h00m CRISTIANO PEREIRA
Chegar a meio da tarde a Olivença causou um certo espanto. Pairava a tranquilidade, as ruas desertas, não se via povo a deambular por aquela espécie de vila alentejana, um sossego total, persianas corridas. Compreendia-se: o termómetro estava perto dos 40 graus e a população devia estar a fazer a "siesta". Até o comércio estava quase todo fechado. A loja "El Portugués - Material Eléctrico" nem parecia ter electricidade. A labutar, só lojas de chineses e um estabelecimento de regalos chamado Saudade.
Todavia, foi na Avenida Ramón y Cajal que se vislumbrou alguma vibração, numa esplanada, espécie de auditório, junto a um pub chamado "Aquí Mismo". À porta, no passeio, pipas de vinho embrulhadas na bandeira espanhola - no topo, dois enormes baldes com pistachos e amendoins salgados para o povo se servir à grande e à espanhola.
Os nativos ficaram todos contentes por receber portugueses. Fomos recebidos de braços abertos, e num ápice ofereceram a primeira rodada a estes lusitanos que armados em espertos fizeram questão de acompanhar o jogo numa localidade onde existe a secular questão sobre a soberania de um território que há mais de dois séculos é motivo de discórdia - ainda que mansa - entre os dois países.
"Hombre, isso foi muito atrás", reagiu, sem cerimónias, Ángel Rodríguez, de 27 anos. "A opinião aqui", continuou, "é que todos somos espanhóis e ninguém sequer questiona isso". A seu lado, amigos acenavam a cabeça em movimentos afirmativos. Cristian González fez questão de sublinhar que "defendemos o nosso passado português a nível cultural mas não a nível político", e teceu elogios à lusa cultura que fez com que Olivença "se tornasse naquilo que é hoje". Citou casos de idosos de "70 anos para arriba" que entre si falam português mesmo "en la calle".
"Mas a juventude é espanhola", contrapôs de imediato Juan Francisco, adepto do Real Madrid "hasta la medula, hasta la muerte" e que disse nutrir enorme admiração pelo nosso país, sobretudo pelas piscinas de Elvas, onde amiúde vai com a cachopa.
Mas sem demoras, as televisões mostraram as selecções a subir ao relvado e todos perderam a pachorra para falar sobre polémicas de História ibérica.
O hino de Espanha não tem letra; como tal, a espanholada da esplanada - umas largas dezenas - ergueu-se e entoou a melodia. Já quando chegou o nosso hino houve um ou outro engraçado que urrou uh-uh-uh, qual macaco, perante muitos mais que nos olhavam envergonhados pela atitude dos seus conterrâneos. Depois, o esférico rolou e o comentador televisivo disparou um castelhano serpenteante onde só se percebia pelota (bola) para aqui e pelota para acolá. Não foi preciso muito tempo para percebermos que estávamos a levar um monumental banho de pelota dos hispânicos. E o entusiasmo da espanholada agigantava-se no cuspir sucessivo de cascas de pistachos a um ritmo alucinante.
Talvez por misericórdia, não sabemos, ou por mera generosidade, os espanhóis teimavam em oferecer-nos bebidas. Se calhar, para a anestesia do inevitável: David Villa concretizou golo, qual lança enfiada na Lusitânia, e a rua explodiu num berro afinado a cantarolar "¡Villa, Villa, Villa, Villa, Mara-Villa!". Fez um gajo quase trezentos quilómetros para território hispânico para levar com isto: a espanholada em júbilo, à nossa volta, a mesa quase a cair, e nós ali com a cabeça do fado habitual.
Para piorar o cenário, na televisão, o Queiroz gesticulava enervado, o Ronaldo mandava-se para a piscina e o Ricardo Costa era expulso - e foi aí mesmo que a espanholada, já muito enfrascada, desatou a cantar "¡Ése es portugués, hijo de puta es!". E um tipo ali, alapado, sem saber o que fazer ou dizer para além de desejar que Brites de Almeida entrasse em campo - ou na esplanada... - para desatar à paulada a seis ou sete castelhanos.
O jogo acabou tal como começou - com domínio indiscutível da Espanha - e nuestros hermanos cercaram-nos para abraços, salamaleques, ofertas de cervejas e o paleio de que somos um país e um povo porreiro e tal.
A.Maria
30.06.2010/08:12
Sou portuguesa, mas trabalho e vivo aqui há uns anos. Teria sido interessante os jornalistas do JN terem aproveitado a visita para fazerem uma reportagem mais além do tema futebol. Há aspectos muito interessantes para dar a conhecer, uma associação cultural (Além-Guadiana) que está a promover o português oliventino e a cultura portuguesa em Olivença, tendo realizado há dias as jornadas LUSOFONIAS nas quais também participaram alunos de um colégio a cantar em português, foram lidos textos de Pessoa, Garrett e outros escritores. Voltem e aprofundem o tema.
Mundial 2010:
Olivença põe de parte laços com Portugal e "veste" camisola da sua seleção
30 de Junho de 2010, 10:37
A população de Olivença, Espanha, colocou hoje de parte os laços históricos com Portugal e “vestiu”, por inteiro, a camisola da sua selecção, numa manifestação de patriotismo para com a equipa campeã europeia.
No final do “duelo ibérico” entre Espanha e Portugal no Mundial 2010, na África do Sul, em que “La Roja” (a vermelha), como é designada a selecção espanhola, venceu a selecção das quinas, a alegria da população de Olivença foi evidente.
Os habitantes daquela vila fronteiriça da Extremadura espanhola, mal soou o apito final do árbitro, saíram à rua para festejar, a pé e em caravana automóvel, a vitória e a passagem aos quartos de final.
Em declarações à agência Lusa, Pablo Benítez, um oliventino de 18 anos, manifestou a sua simpatia por Portugal, mas frisou que a Espanha jogou melhor, sobretudo no segundo tempo da partida.
“A Espanha esteve melhor no jogo. No entanto, tenho pena de Portugal sair do Mundial, uma vez que somos vizinhos e compartilhamos a Península Ibérica”, disse, equipado a rigor com a camisola da selecção espanhola.
Enquanto decorria o jogo que enfrentou os dois países ibéricos, o movimento nas ruas de Olivença foi constante.
Nem as altas temperaturas sentidas hoje impediram muitos oliventinos de cumprir a sua habitual rotina diária.
Os que não quiseram perder o “duelo” futebolístico concentraram-se, na sua maioria, nos bares da vila e entoaram cânticos de apoio à “La Roja”, entre tapas, “tintos de verano” e cervejas.
Durante a partida, nos cânticos entoados, foi possível escutar algumas provocações a Portugal, mas o mote que prevaleceu foi, sobretudo, o tradicional “e viva a Espanha”.
O nervoso miudinho visível nos adeptos de Olivença, que decoraram muitas das varandas das casas com a bandeira nacional, foi dissipado quando David Villa marcou o golo que acabaria por selar a vitória espanhola perante a selecção das quinas, dando lugar a uma grande explosão de alegria.
Outro dos habitantes da vila raiana, Ángel Rodríguez, admitiu ter “respeito” por Portugal, devido às marcas históricas lusas em Olivença, mas a selecção do seu país, destacou, está “sempre na frente”.
“Tenho muito respeito pela parte cultural portuguesa em Olivença, mas a única coisa que me chama a atenção na selecção portuguesa é o [Cristiano] Ronaldo”, ironizou.
A selecção portuguesa de futebol caiu hoje nos oitavos de final do Mundial de 2010, ao perder por 1-0 com a campeã europeia Espanha, na Cidade do Cabo, na África do Sul.
Um golo de David Villa, aos 63 minutos, selou o desaire da formação das “quinas”, que fez melhor do que em 1986 e 2002 (eliminações na primeira fase), mas ficou longe das meias finais, atingidas em 1966 (terceiro lugar) e 2006 (quarto).
Nos quartos de final, a Espanha defronta o Paraguai, sábado, a partir das 20:30 locais (19:30 em Lisboa), no Estádio Ellis Park, em Joanesburgo.