Todas as cicatrizes contam uma história. Piores que as do corpo, talvez as do coração ou da alma. E há, também, as cicatrizes da história. É o caso das fronteiras, quase sempre desenhadas a sangue. A fronteira portuguesa vem de 1297, desde que Afonso III chegou aos Algarves, e é a mais antiga do continente.
Percorremos a raia e descobrimos dezenas de antigas fortalezas, de maior ou menor dimensão. Quase todas do lado português, o que diz bem de que lado sempre esteve o agressor. Entre a foz do rio Minho e a do Guadiana, o desenho do mapa que nos separa de Espanha é um ponteado equidistante de muitas centenas de marcos em granito, numerados. Faltam, porém, colocar 100, entre os números 801 e o 900, para nascente de Elvas e Monsaraz, entre o Caia e a foz do rio Cuncos. O intervalo da discórdia nesta delimitação de fronteiras tem um nome: Olivença, município sob ocupação espanhola desde 20 de maio de 1801, sujeitando os portugueses à injúria de ver cativa uma parcela inalienável do seu território. Ali é chão nosso, à luz do Direito internacional. Assim é pela história e pelo Tratado de Viena, assinado por Espanha em 1817, mas nunca cumprido.
De lá para cá, a questão de Olivença permanece assunto tabu nas diplomacias de Lisboa e Madrid. Mas Portugal nunca renunciou ao direito de posse sobre aquele município alentejano onde Espanha impôs, desde 1840, a proibição do uso da língua portuguesa, incluindo nas igrejas. Ontem, porém, e pela primeira vez em quase 200 anos, rezou-se missa em português na igreja da Madalena. E, pelo segundo ano consecutivo, centenas de oliventinos voltaram a comemorar o Dia de Portugal e das Comunidades. Viva! Não se trata de alimentar quixotismos ou manifestações antiespanholas, até porque o primeiro princípio da boa vizinhança é o respeito pelo vizinho e pela sua integridade. Mas, por mais que deixem de fazer sentido as fronteiras, Olivença é uma cicatriz mal sarada, que magoa quando tocada pelo dedo da memória. Na hora de apanharmos as canas do 10 de Junho, convém lembrar que é nosso dever não deixarmos portugueses para trás.